sábado, 19 de agosto de 2006

Roatán, o império dos mosquitos

18/08 a 27/08

Se um daqueles filmes B que reprisavam no SBT após o almoço tivesse explorado um universo dominado por mosquitos, Roatán seria seu cenário.

Roatán é uma grande ilha, com 60km de extensão e 10km de largura. Poucas praias divdem o litoral com piers, resorts e pedras. O clima tropical faz o mergulho não precisar de roupa especial alguma, luxo de poucos lugares no mundo. A ilha é envolta pela segunda maior formação de corais do mundo, que se extende a partir de Belizei. Com o coral, muita vida marinha! Paraíso para mergulhadores, que vêm de toda parte do globo. De toda parte do globo para o prato dos mosquitos.

Após uma minunciosa análise (afinal, somos consultores), conseguimos desvendar a perversa mecânica desta ilha: Roatán é um paraíso de mergulho artificialmente criado pelos mosquitos pra atrair uma grande diversidade sanguínea para seu banquete. Com ajuda de alguns humanos traidores, claro. Estes são facilmente identificáveis pela omissão de qualquer cicatriz referente à drenagem de sangue. São poucos, mas bastante coordenados.

Amanhã tentaremos escapar do domínio dos insetos. Caso a fuga, via aérea, falhe, vamos nadar até Miami.

Além das fotos, levaremos cicatrizes. Tatuagens da incessante guerra contra os vorazes pernilongos e temíveis sandflies.

Aqui os pernilongos atingiram um novo grau de desenvolvimento. São mais ágeis e fortes, capazes de perfurar calças e camisetas em busca de sangue. Sua notória fraqueza, o zumbido característico do bater de suas asas, aqui não existe mais. São como os ninjas da "sessäo da tarde", silenciosos e mortais. Drenam o equivalente a duas colheres de sopa em segundos. Estamos recebendo transfusões diariamente para sobreviver.

Mas os mais sórdidos dos insetos são os sandflies. Minúsculos, passam desapercebidos pelos olhos inatentos. Andam em nuvens e colam na pele nua num piscar de olhos, deixando largas marcas vermelhas. Imperam em um raio de 50 metros de qualquer grão de areia. Hoje já parece que temos sarampo, depois do último ataque.

Para consciência de todos, vale narrar nossos primeiros instantes aqui.

Furiosos, descemos do ferry com nossas mochila-mundo e atacamos West-bay, o lado mochileiro da ilha. As telas anti-mosquito nas janelas, fechaduras e canos de nosso quarto já nos sinalizavam problemas, mas achamos que tudo era um erro de uma decoradora hondurenha. Quem sabe pra dar um ar "campo de concentração" pro ambiente.

Rumamos pra praia. Malandros, na ginga nativa, sem camiseta, só dourando os músculos. Estranho estarem todos outros vestidos. Tem maluco até de calça e manga longa. Ahhh, deve ser um destes americanos que detesta países tropicais, praias azuis e água translúcida. Esse pensamento foi cortado por um súbito ataque de coceira nas costas, braços, pernas e alma. Seria intoxicação alimentar? Filtro solar vencido? Macumba?

Não... Eram eles...

Fugir pra água foi inútil. Sandflies dominam o ar. Este é o motivo do aluguel do snorkel ser tão abusivo - é o único esconderijo do humanos é sob a água.

Repelente, veneno em espiral, baby-oil, soda cáustica e ácido sufúlrico. Tentamos de tudo e só conseguimos cheirar mau. O que parece não afungentar nossos captores.

Tirando essa contínua tortura, mergulhamos. E muito. A impressionante barreira de coral atinge desde o raso até a profundeza do oceano. É repleta de peixes, raias, tartarugas, polvos, lulas, enguias e esponjas. Impressionante, mesmo pra quem já esteve em Noronha. Sair de um mergulho só dá vontade de mergulhar de novo. E foi isso o que fizemos, dia após dia. Mergulho de manhä, pausa pra relaxar, mergulho à tarde, mais pausa pra relaxar. No meio tempo, uma ligeira descansadinha sob o ventilador, afinal ninguém é de ferro...

Excelente fim pro mochilão. Agora é só enfrentar São Paulo, PCC e motoboys insanos! Mochilão guardado... mas espero que por pouco tempo!

sexta-feira, 18 de agosto de 2006

Survivor

Inspirados pelo reality show Survivor, onde os participantes não comem, não dormem e são submetidos à duras provas de resistência, iniciamos esse dia de aventura.

Nada no estômago e uma caminhada de 40 minutos às 5am até a rodoviária. 9hs de bumba trash sob um sol escaldante. Ainda de jejum, chegamos a San Pedro Sula, cidade conexão para La Ceiba, de onde sairia o ferry para Roatan, ilha paraíso de mergulhadores. San Pedro é a Cubatão de Honduras, industrial, feia, violenta e com maior índice de contágio de HIV das Américas. O guia Lonely Planet aponta como uma das grandes atrações turísticas o cinema local. Aqui eu não moraria!

Como se não bastasse nosso desgaste, engatamos mais uma caminhada sob sol das 14hs em busca do outro ônibus. Finalmente comemos alguma coisa. A macarronada barata sobre uma mesa de plástico nunca caiu tão bem!

Na fúria de verdadeiros adoradores de meios de transporte, pegamos o bumba pra La Ceiba. Esse era dos baum -- ar condicionado, serviço de bordo e filme terrível na TV. De tão terrível, o filme ganhou em 2005 o oscar 'inverso' de pior filme. Sério! Era "Mulher Gato". Quem não viu, não vá ver. Quem já viu, só lamento...

Em la Ceiba apelamos prum Burger King e fomos tentar dormir. Nosso hotel era uma intrincada série de corredores e janelas falsas com objetivo de não permitir circulação nenhuma de ar. O ar do nosso quarto, por exemplo, era da década de 50. E eu que achei que nunca ia viver essa época...

Fomos dormir com a sensação de estar na sauna...

quinta-feira, 17 de agosto de 2006

Tikal, o empire states dos Maias

Amanhecemos no bumba. Quase isso, pois chegamos em Santa Elena às 4h30 da manhã e o sol ainda não havia nascido. Santa Elena fica à 30 minutos andando de Flores. Andando na direção certa.

Colamos nos praticantes de Yoga, pois estes tinham uma reserva baratíssima em um hotel e se ofereceram para alojar nossas malas enquanto visitássemos Tikal. Enganados por um taxista que tentava nos explorar, andamos na direção errada. A mala de 15kg já fazia parte do corpo fatigado. Amaldiçoamos até a 5o geração do tal taxista e andamos mais um bom tempo até acertarmos.

Já no parque que abriga as ruínas, foi a vez dos guias tentarem nos explorar. Em nosso grupo de viagem Antigua-Tikal, poucos entendiam espanhol e o único guia anglofônico disponível era o fim. Não parecia guatemalteco e era o gordo mais arrogante que um gordo pode ser, além de difamar os outros guias que falavam apenas espanhol. O que fazer? Simples: desencanar e fazer a italiana-americana-yoga de intérprete pra galera, complementada por nós.

As ruínas ficam dentro da floresta. Mesmo. Macacos, aranhas, quatis e pássaros mil cruzam seu caminho para os templos. Além dos pernilongos que drenam seu sangue até você se sentir mais leve. Dica para futuros visitantes: levem uma bolsa de sangue adicional. Você vai precisar de uma transfusão no fim do dia.

Os templos são assombrosos. Medindo dezenas de metros de altura, alcançáveis por centenas de degraus, os templos fazem pensar que os antigos sacerdotes maias era Roberto Carlos das antigas. Haja perna para escalá-los sob o sol do meio-dia.

Do alto dos templos, é possível enxergar outros prédios do complexo Tikal emergindo da verde e densa floresta. É tudo tão grandioso e meticulosamente planejado que faz pensar que não evoluímos muito desde os anos 300 aC.

Subimos, por fim, o templo IV, com seus imponentes 54 metros. Mesmo com as escadas de madeira auxiliares, é de perder o fôlego. No alto, o casal Yoga plantava bananeira para a foto. É, tem nego pior que a gente.

Suados, cansados e com novas dores nas pernas e pés, decidimos ficar uma noite sem viajar de ônibus. Motivados também pelo fato de não existir ônibus aquele horário.

Hospedamo-nos no mesmo hotel que o casal Yoga. O dono do estabelecimento devia ser panamenho, saudoso de seu país natal. Digo isto porque ele tentou reconstruir o clima úmido, quente e asfixiante do Panamá nos quartos que aluga. O pior é que conseguiu. Foi uma noite breve.

quarta-feira, 16 de agosto de 2006

Morando no ônibus

Dormimos bem. Muito bem após jogarmos os cobertores-espinhos fora. Era um daqueles cobertores baratos e finos, que parecia ter saído de um campo de carrapicho.

De pé, fomos fazer um tour de barco no proclamado mais belo dos lagos da América Central. Estava quente e mais um leilão se iniciava. Devemos exalar feromônios de dinheiro fácil, pois foi só chegar nas proximidades do pier que dezenas de barqueiros-táxi davam preços exorbitantes. Era tão impressionante que um deles, bêbado como um gambá, ficou nos seguindo e esperando fora do restaurante enquanto tomávamos café-da-manhã.

Saindo pela tangente, conseguimos entrar no barco-ônibus oficial e seguir conhecendo Santiago de Atitlán. Da cidade de 1.500 habitantes pouco conhecemos, pois o relógio nos sinalizava hora de voltar pra Antigua, pra pegar a maldita mala do Gus.

Após recuperada a mala, passamos a tarde no Sky Bar, um restaurante-bar local, ponto de encontro de todos estrangeiros que migram pra Antigua estudar espanhol. Além da visão deslumbrante do vulcão Agua e da Iglesia de San Francisco, o bar conta com a melhor limonada com soda do mundo. Talvez do universo.

Surpreendentemente, encontramos a canadense Sarah na Ox, quando formos pegar a bolsa. Insana, demente... Ela estava indo encarar a subida de mais um vulcão. Sinistro... Enquanto isso, dores ainda debochavam de nós quando tentávamos "escalar" o meio-fio (guia) ao atravessar a rua. Essa também não passaria no anti-doping.

Ainda mancando horrores, foi a vez de embarcar pra Flores (cidade das ruínas de Tikal), com mais uma galera de residentes na Califórnia, incluindo dois praticantes mor de Yoga.

Mais um noite em ônibus. Isso é que é glamour!

terça-feira, 15 de agosto de 2006

Panajachel, dolorosamente

Acordamos dispostos como sempre... Até a primeira tentativa de movimento, que nos lembrou do pior jeito possível a aventura do dia anterior.

Greve! Todo o corpo declarou greve... "Daqui não saio, daqui ninguém me tira". Ok, folga merecida. Parecia até ironia... Nossos planos eram alugar bikes e passear tranquilamente em volta do lago. Coisa leve, uns 60km... Montanhosos... Nem o Chuck Norris faria uma coisa dessas, ainda mais com as pernas destroçadas do vulcão.

Decidimos rapidamente abandonar o plano original e dar férias para nossos pés.

Panajachel é uma daquelas cidades de praticamente uma rua só, terminando no lago, que é a grande atração da região. Lojinhas se empilhavam uma ao lado da outra, e competiam pela atenção dos turistas. Muito pouca coisa pra se fazer, mas perfeito pra nosso merecido descanso.

Fomos direto pro lago depois do café-da-manhã. Muito bonito. Plácido, sob o pé de 3 vulcões. Coisa de cinema. Ok, check na lista. Ainda tínhamos o dia inteiro e a manhã seguinte, o que poderíamos fazer naquela pacata e parada cidade? Grande idéia: andar de caiaque. Afinal, assim podíamos remar o dia inteiro e destruir o que tinha sobrado do corpo.

Vagarosamente (para gastar tempo) fomos nos informar do preço do aluguel do caiaque. Em um espanhol perfeito - que nos denunciava como turistas-patos - descobrimos que o aluguel de 1 hora dava pra comprar uma frota de caiaques. Cogitamos termos entendido o preço errado, ou em alguma moeda de menor valor, mas não. Claro que desistimos na hora.

Partimos então pro plano B, e fomos comprar livros no sebo da cidade (o pobre do Churchill foi esquecido em Antigua). Ficava do outro lado da imensa cidade. No caminho o Leo desenvolveu uma nova técnica de mancar com os dois pés. Um torcido (de bota), e o outro cheio de bolhas estouradas (de havaiana). Muito interessante, parecia um pingüim aleijado. E com um péssimo gosto pra sapatos...

No caminho, levamos nossas roupas pra lavanderia. Afinal, já estávamos na fase de reciclagem, quando as cuecas passam a ter 4 lados.

No sebo, escolhi alguém à altura de nosso espírito guerreiro... "Conan, the Invincible" seria nosso companheiro de viagem, substituto do Churchill pelos próximos dias.

O resto da tarde foi passado à beira do lago, acompanhando as aventuras do guerreiro cimério.

Atrasamos o jantar para postergar a subida até o terceiro andar para o quarto. Vencido este último obstáculo, o sono recompensador.

segunda-feira, 14 de agosto de 2006

Congelando no topo do vulcão

Os raios não cessaram durante a noite e por volta da 1h foram acompanhados por uma breve e forte chuva, que castigava nossa tenda.

Insone como sempre, acompanhei os bizarros efeitos sonoros dos habitantes da tenda. Flatulências, roncos, engasgos eram a trilha sonora. O jantar ou a altitude deveriam explicar. Não poderia ser normal! Espero ganhar algum dinheiro com a fita que mandei pro Discovery Channel.

O sutil odor dessa meia dúzia de corpos suados e sujos poderia ser outro documentário. Quem diria que a holandesa magrinha, branquinha e pequena iria carregar um gato morto embaixo dos braços? Parecia um metrô parisiense no dia do INSS, com uma névoa negra outrora chamada de gás Sarim pelas autoridades.

O toque de despertar foi às 5am. Já era hora da tortura da tenda acabar e meus pulmões receberem uma lufada de ar desintoxicado.

De jejum, a escrete colocava suas mais quentes roupas e esboçava um sorriso antes da derradeira subida. Sorriso breve. Acho que nem uma Polaroid o capturaria. Estávamos cegos como morcegos enquanto marchávamos pelos pedregulhos rochosos misturados com areia fina. O próprio passo moonwalker: passos que nos levavam para trás.

Alguma altitude acima, uma densa névoa surgiu. A umidade era tanta que tornava todo tecido permeável instantaneamente encharcado. Ótima notícia pra quem está sem luvas, com gorro de lã! Imaginei ter avistado o Papai Noel. Estava eu delirando pela fome e pelo cansaço? Já me preparava pra pedir um par de pernas novas pro bom velhinho quando percebi que enganei-me. Era somente o Gus, com sombrancelhas e ralo cabelo embranquiçados pelo gelo.

Frustado da fantasia, subíamos. Desta vez procurando gnomos.

E subíamos...

Paramos em uma encosta, metros acima da cratera vulcânica, para tentar tomar o fôlego, que fugia como bagre ensaboado. Aguardávamos o céu abrir para atingirmos o cume. Aguardávamos e congelávamos. Já não sentia minhas mãos. Uma dor dilacerante partia das orelhas desprotegidas. Passei a acreditar em calor humano - amontoarmo-nos foi a saída menos penosa enquanto aguardávamos o bom tempo. Entre o mau cheiro e o frio, o gato morto era o melhorzinho.

Aguardamos, aguardamos, aguardamos... Finalmente, desistimos. A névoa se recusava a deixar-nos. Era um fenômeno bem raro, observado em menos que 20% das subidas. Sorte de principiante... Aquela foto fantástica do sol nascendo e nós a 4km do solo, cercado por crateras vulcânicas brancas de gelo já era. Vai ter que ser Photoshop mesmo. Bom que pelo menos dá aproveitar e colocar cara de cansada nas implacáveis holandesas.

O vento praticamente nos carregava na derradeira subida. Pelo menos soprava na direçáo correta. Só percebemos que atingimos o cume por uma cruz prostrada na mais alta rocha do vulcão. Era hora de rezar mesmo. Rezar pro pesadelo terminar!

Tirando o insuportável vento frio que impedia-nos de tirar fotos, estávamos felizes. Felizes por termos feito. Felizes porque agora era só descida! Como diz o ditado, na descida todo santo ajuda...

A descida parecia fácil. Rocha vulcânica se assemelha à areia grossa de praia. Foi como sandboard, só que sem prancha. Saltos curtos, deslizando rapidamente pela íngreme encosta, girando o corpo para direcionar.

Descíamos rápido, muito rápido. Adrenalina aquecia o corpo e o vento já não incomodava tanto. Diversão pura, que nos ajudava a esquecer que praticamente não tínhamos mais pernas. E saltar, além de divertido, poupava o esforço de ir segurando o peso do copo a cada passo... A diversão só durou até uma rasteira traiçoeira de uma rocha em um deslize. Não bastava todas as dificuldades da subida, agora a natureza conspirava contra também na descida? Capote... Daqueles dignos de dublê em filme do Jackie Chan... Mas como nosso parco orçamento não dava pra dublê, o ator principal foi quem acabou rolando dramaticamente... Dor! Dor! Dor!

Nossa velha amiga estava de volta, mais forte do que nunca. O saltitante montanhista estava com o pé acabado. E ainda no topo da montanha. E ainda com.a mochila-mundo. E ainda com aquele guia maníaco. Hora de desistir... Será que dá pra viver no alto da montanha pra sempre?

Com os cajados-muleta, a descida foi prosseguindo, penosa. Doendo muito, mas descendo. Analgésicos tomados, o pé esquerdo era mais suportável. Porém, o direito, são, sofria as conseqüências da carga dupla: bolhas nasciam, cresciam e se multiplicavam... Na própria descida, eram estouradas. Um daqueles momentos que não se pensa no futuro. Resolver o presente já é preocupação suficiente.

Retornando do vulcão na van, uma cerveja foi o champagne do dia. Só faltava a música do Senna. No subseqüente almoço, a canadense que havia subido conosco já desmaiava. Estávamos exaustos...

...exaustos mas ainda loucos furiosos. A despeito da dor generalizada, embarcamos para Panajachel, a principal cidade na beira do lago Atitlán, um dos mais belos do mundo. Gus, pra complicar um pouco nossa logística, esqueceu parte de sua bagagem na agência de viagem local. Retornaremos à Antigua, um dia.

Como sempre abençoados pela sorte, conseguimos um ótimo quarto em Panajachel. Ótimo quarto de terceiro andar!!!. Dois lances de escada!!! Como doía subir escadas. Pelo menos o sono dos justos veio fácil...

domingo, 13 de agosto de 2006

O céu é o limite

Grande dia! Acordamos às 5:10am, num surto de adrenalina. O cheiro da manhã acompanhava um céu anil que aos poucos cedia espaço para a claridade do dia.

Já na Ox, nossa agência de viagem, conhecemos o resto do grupo que nos acompanharia: Sarah (uma risonha canadense), Lynndsay e Kirsten (irmãs holandesas maníacas) e uma americana genérica. Fora o guia, o Morgan (um americano do Alaska), seríamos os únicos homens da parada. Dado nosso exímio preparo físico de corredores de maratona, já passava o letreiro em nossas mentes: esperar essas tiazinhas podronas nos acompanhar vai ser sacal!

Traumatizados pelo atraso do dia anterior, arrumamos nossas mochilas pela técnica soca tudo e boa. Embora altamente eficaz, a técnica em questão trouxe-nos alguns efeitos colaterais peculiares: a surpresa de carregar montanha acima toalhas, xampus, sabonetes, roupas sujas, lençol e um modesto exemplar de Churchill, com suas 600 densas páginas de chumbo.

Na base do vulcão, ao recebermos cajados (2 por pessoa, de bambu) percebi que o buraco era mais embaixo. Que tipo de lugar nefasto será esse onde vamos ter que usar cajados? Sem tempo de explorar as possíveis respostas, era hora de mochila nas costas. Surpreendentemente, as mochilas dos outros pareciam mais leves, dada a graciosidade com que todos as vestiam. Bem, deve ser só impressão.

Fortes e másculos, impusemos um ritmo forte. Ele durou algo como 7 minutos.

Suor já empapava a camiseta e fazia a blusa de frio desnecessária. Baforidas semelhantes às de panelas de pressão eram a trilha sonora da subida. A terra ainda úmida e pedras soltas eram o castigo dos pés. E tudo parecia tão fácil nos planos...

... nos planos e na realidade da mulherada, que nos ultrapassavam aos poucos. E sem suar.

Incrédulos, nossas mentes investigavam as opções: seria o peso excessivo? Seria o Churchill? Ou as bananas que levávamos? Não, deve ser nossos calçados. Ahhhh, era evidente: eram as tais holandesas dopadas! Só podia ser isso. Anti-doping já!

Pra piorar a situação, logo na primeira parada de descanso, Gus jubila agregou, sem querer, uma das garrafas de água das holandesas. Só pra aumentar ainda mais o peso da mochila-mundo. Nem Atlas teve uma tarefa tão difícil ao sustentar o planeta nos ombros.

Subíamos, subíamos e subíamos. A vegetação se transformava, as nuvens passavam e a temperatura caía. E nós só pensávamos em quando a tortura ia acabar. Dores. E muitas. Panturrilha, coxa e glúteos. Até músculos inomináveis doíam, músculos que não existem na literatura de anatomia moderna.

Agora entendi os cajados. Destruídos todos os membros inferiores, os cajados ajudavam-nos a fazer o mesmo com os superiores. Parecíamos manquetas subindo. Mas subimos. Bem atrás das mulheres, mas subimos. E o ácido lático (e as câimbras) era nosso novo companheiro de viagem.

O cronômetro marcava 3 horas de dor e as holandesas, magrinhas, levinhas, pareciam flutuar no plano. Enquanto isso nós, homens grandes, fortes e maus, lutávamos contra a montanha... a cada passo pra frente, meio passo perdido no deslizamento da areia sob nossas passadas. Ó mundo injusto!

5 horas e o ritmo diminuiu. Teriam sido nossas preces transformadas em realidade? O ritmo diminuiu, exceto pelas famigeradas holandesas, que pareciam corredores somalianos de maratona, que com seu passo impassível que vão deixando todos os demais pra trás. A dor já era velha amiga e nem nos importunava mais. Depois de um tempo, a endorfina resolveu entrar em ação. Agora o frio bateu. Estávamos entre as nuvens e úmidos como uma esponja.

Quem foi mesmo que teve a idéia de subir o vulcão?

6 horas no cronômetro e ainda andando. Será que o céu está muito longe?

O corpo começou a se rebelar e não mais atender as ordens do cérebro. Descobrimos quem manda aqui!

Nesse mundo moderno já não existe elevador, escada rolante, lift de ski? O homem já não dominou a gravidade? Por que mesmo estamos subindo a pé essa montanha?

A dor chegou a tal ponto que ponderávamos arrancar nossas próprias pernas, sem anestesia. Enquanto procurávamos alguma coisa cortante para usarmos, chegamos. Estávamos no acampamento base. Acima das nuvens. Acima das cidades. Acima de todos.

O sentimento de megalomania foi suspenso pela vista de tirar o fôlego que se descortinou no horizonte. Era linda. Montanhas, vales e lagos era cobertos por nuvens que tomavam cores azul e vermelha. O vento frio e criptar da floresta nos lembravam de onde estávamos.

O homem é um ser de memória curta. Muito curta. Tão curta que em 10 segundos de espetáculo da natureza esquecemos as dores que nos carregaram até lá. Me faz lembrar da camiseta de uma corrida de 150km que fizemos: a dor é passageira, mas a glória é eterna.

De repente, fomos cercados por uma espessa névoa, que empalideceu a paisagem até transformá-la em uma capa branca. Tudo branco, pra todos os lados. Bem sem graça.

Hora do jantar: 4h30 da tarde! Bóia-fria total. Menu do dia: gororoba amarela radioativa, com pimenta ou sem. Mandei sem, mas mesmo assim suava como uma foca em Copacabana. Minhas feições trouxeram pânico para os que pediram apimentado, bem apimentado. Gus era um desses, que com vinho barato fez a pasta descer.

Terminamos a tempo de termos um pôr-do-sol inesquecível. As nuvens estavam vermelho-escuras e contrastavam com o azul e cinza da paisagem. Sessão de fotos. O Churchill se amarrou.

Sabe aquela historia de quantos elefantes cabem num fusqunha? Pois é, fizemos o paralelo moderno pra dormir na barraca. Tirando o Morgan e a Sarah que tinham uma barraca de casal, todos os demais teriam que compartilhar uma única tenda. Fácil. Com o vasto espaço, todos adotaram a confortável posição de múmia do Egito. Estática dentro do sarcófago. A única vantagem da múmia é que ela não precisava cheirar outros oito sovacos fedorentos em seu sono eterno. Que vantagem!

Cada movimento era atentamente capturado pelos outros, pois cada leve virada de corpo significava realocação de espaço. Qualquer semelhança com ônibus lotado na hora do rush não é mera coincidência. E aqui tentamos descansar o que sobrou do corpo.

sábado, 12 de agosto de 2006

Aquecendo os motores

Pousada nova, problemas velhos: forro de madeira, colchões mofados e muito pó espalhado. Excelente lugar prum alérgico de último grau passar a noite. O coquetel de antiestamínicos ajudou, mas só até às 6am.

Primeira parada turística do dia foi o Cerro de la Cruz, um mirante no topo de uma colina, do qual se vê toda cidade. Interessante e perigoso. Após inúmeros assaltos aos turistas, a polícia local passou a realizar gratuitamente uma escolta para o Cerro, mediante agendamento prévio. Brutos e sem noção, claro que desencanamos da escolta e subimos para matar algumas fotos.

Ainda a passo de guatemalteco, o baiano daqui (mal, Heitor) fomos frustrados em nossa tentativa de conhecer o convento Las Capuchinas -- estávamos sem a exorbitante soma demandada, algo como US$8.

Seguimos furiosamente, então, para a Iglesia y Convento Santo Domingo, hoje transformado em um dos melhores hotéis do mundo, segundo os inúmeros prêmios ostentados na recepção. As áreas públicas guardam um espaçoso e bem cuidado jardim do qual se tem acesso aos museus, ruínas e área arqueológica. Perdidos, ao invés de entrarmos pelo acesso ao museu, acabamos entrando pelo salão de eventos do hotel, que estava sendo preparado para algo grandioso. Paredes coloniais e ruínas ornadas com panos brancos e suportes para arranjos de flores, tudo cercado por centenas de pequenas velas que pareciam flutuar nas paredes. Sem sermos barrados, fomos penetrando no labirinto de portas e escadas. Salões e mais salões luxuosos se seguiam, e ninguém à vista. Por fim nos deparamos com uma porta trancada de um lado e um jardim de outro. O problema era que o jardim era em um andar inferior, e para atingi-lo tínhamos que pular um pequeno muro. Além disso, estava sendo regado (automaticamente, pois não havia viva alma perto). Munidos de nosso habitual espírito aventureiro (e a maior preguiça de voltar todo o caminho), quando percebemos já estávamos nos esquivando dos jatos de água que varriam o gramado. Uma corrida curta nos levou até um conjunto de covas dos bispos dominicanos, já na área do museu. Saindo desta ala, deparamo-nos com algo terrível, monstruoso e assustador... a bilheteria!!! O sangue gelou, afinal éramos foras-da-lei. Nem se quiséssemos poderíamos pagar a entrada, pois não tínhamos dinheiro algum. Com a maior cara-de-pau, murmuramos algo ininteligível para a bilheteira, caprichando na cara de turistas, e saímos de fininho.

Após abastecermos nos ATMs locais, reentramos no museu, agora legalmente. Dentre as várias atrações, a que mais impressionou foi uma exposição comparativa de artefatos maias e peças contemporâneas. Relíquias datando de 600 à 300 a.C. estavam emparelhadas com representações modernas das mesmas cenas. Animais, guerreiros e vasos de cerâmica eram contrastados com esculturas em cristais tchecos e materiais modernos.

Nosso único compromisso do dia era a preparação para a subida ao vulcão Acatenango, que consistia em comprarmos os mantimentos necessários e em uma reunião às 8pm, quando conheceríamos o restante do grupo.

Passamos então no "La Bodegona", o supermercado local, e enchemos o carrinho. Maçãs-verdes, maçãs vermelhas, bananas, biscoitos, barras de cereais, chocolates e muita, mas muita água. Tínhamos comida pra toda sustentar toda a população chinesa por 2 meses. De fome não íamos morrer...

Para a reunião, chegamos pontualmente às 8 horas, mas às 8 horas do Panamá e uma hora após o combinado. Já não encontramos ninguém, somente uma porta fechada numa rua deserta. Batemos, chamamos, gritamos e esmurramos a porta até interromper Victor, o dono da agência de viagem, de seu namoro com a recepcionista.

Escolhemos as roupas de frio disponibilizadas pela agência de viagem, desde calças de lä até gorros. Empacotamos tudo furiosamente, deixando na Ox nossas mochilas gigantes (valeu Claudinha, valeu Marcelita), já agora abarrotadas. Levamos de volta ao hotel mochilas pequenas com o necessário para passar a noite.

Ajustamos nosso despertador para 5h10am. Um grande dia nos aguardava.

sexta-feira, 11 de agosto de 2006

Antigua, a Bahia da América Central

Acordamos cedo pra preparar nossa viagem do dia seguinte para o Acatenango, o maior vulcão da região. De lá poderíamos ter uma vista espetacular do Fuego, um vulcão ativo vizinho. No entanto, ao consultarmos a Old Town Outfitters - operadora de turismo recomendada pelo guia de viagens - descobrimos que estava completamente ocupada, com diversas excursões já programadas, mas nenhuma para o nosso vulcão. A situação estava agravada pois um de seus guias havia retornado aos EUA, e ainda não havia sido substituído. Não pretendiam formar um grupo para o Acatenango antes do dia 15.

Grande dúvida: ignorar o vulcão - um dos grandes motivos de nossa vinda a Antigua - ou perder alguns preciosos dias dos próximos destinos (somado ao nosso atraso pelo stand-by no Panamá, isto comprometeria completamente nosso roteiro original)? Opções? E se alterássemos todo o nosso roteiro, indo a Tikal antes do vulcão? Hum, não era a melhor opção mas poderia funcionar. A gentil atendente da agência de turismo - devidamente ciente de nossa situação -ainda nos dá uma ultima esperança: já havia visto anúncios de uma outra operadora que faz o mesmo passeio, mas não conhece a qualidade dos guias. Isso é importante, já que vamos caminhar por 6 horas e passar a noite acampados lá no alto.

Resolvemos arriscar, e fomos em busca da Ox, a outra operadora. Fomos recebidos por um americano doidão de cabelo moicano - Victor -, e uma simpática alemã - sem nome. A sorte estava do nosso lado! Uma turma estava planejando subir o vulcão no sábado, e poderíamos nos juntar a eles - tudo pela módica quantia de US$69, já devidamente previstos no orçamento original. Significaria um atraso de somente um dia em nosso plano original, e valeria a pena pela aventura no vulcão. Esperar uma dia adicional em uma cidade simpática como Antigua também não faria mal algum.

Como agora teríamos 2 dias pra conhecer o que estava planejado para 1 só, resolvemos mudar de ritmo. Conhecer tudo beeem devagar (...), matar tempo na praça (...), bater papo no convento... Assumir o ritmo dos nativos. Tranqüilos, os guatemaltecos nunca estão apressados o suficiente para impedir um bom bate-papo. Adoram puxar conversa. Um povo adorável, que cumprimenta sempre, e sempre com um sorriso no rosto.

O dia passou tranquilo, e fomos jantar. Sempre ávido por experimentar as comidas locais, resolvi (Gus) pedir uma Sopa Azteca. Que mal podia fazer? Uma sopinha para fechar o dia, grande idéia - pensei.

A sopa chegou. Cor vermelho fogo. Fogo também foi o que senti na primeira colherada... Podiam facilmente engarrafar aquela sopa e vender como molho de pimenta extra-forte. Não sem antes desenhar uma caveirinha no rótulo, para prevenir os desavisados.Orgulhoso, nem pensei em desistir... A cada colherada, uma careta de dor. Os lábios ficando roxos, suor escorrendo. O Leo já gargalhava perante minha situação. Patética, tenho que admitir. Finalmente um pouco de bom senso, e desisti. Contentei-me com o pão que acompanhava a sopa. Seco...

Fui dormir com fome...

quinta-feira, 10 de agosto de 2006

Derretendo na Van para Antigua

Acordamos tranqüilos, sem pressa. A van só partia às 12pm, então tínhamos tempo mais que suficiente pra tomar um café-da-manhã sossegado, como se estivéssemos de férias. Matamos o resto do tempo na pracinha da cidade, depois de procurar, sem sucesso, uma sorveteria.

Embarcamos na van. Calor de 40o e três gringos-hippies fedorentos já suavam no seu interior. Ficamos parados uns 30 minutos, só para suarmos até nos sentirmos tristes por existir.

No meio do caminho, a fronteira. Arrancar dinheiro de turistas deve ser realmente fácil. Pagamos pra sair de Honduras, pagamos pra entrar na Guatemala.

Além de turistas, devemos ter cara de pato. Ao tentar pagar a saída de Honduras para o solitário agente de fronteira, demos uma nota de US$5. O prestimoso agente guardou a nota, enquanto procurava troco. Infelizmente não tinha troco - informou-nos em segundos - e pediu para que pagássemos em lempiras. "Esqueceu" nossa nota guardada em sua gaveta. Devidamente lembrado, devolveu-a a seus devidos donos.

Já na fronteira a versão local dos cambistas abordava os turistas nas filas oferecendo câmbio de dólares ou lempiras por quetzal, a moeda local. Apesar de não saber a cotação oficial, certeza que a cotação da fronteira, ditada pelos cambistas (cada qual com um enorme maço de notas na mão) era altamente desfavorável para os turistas.

De volta à estrada, tivemos que parar novamente para dar passagem a um pequeno rebanho que cruzava o caminho. Coisa de interior, não importa o país.

Nosso estomago gentilmente nos lembrou que a ultima vez que havíamos comido era o café da manhã às 8am, e já era mais de 2pm. Na primeira parada da van (para deixar um casal de espanhóis), corremos pra uma barraquinha. Não aceitavam dólares, não aceitavam lempiras. Ainda não tínhamos quetzals (dinheiro local). Continuamos com fome. Nosso estomago fazia questão de não nos deixar esquecer...

Finalmente chegamos em Antigua depois de quase 6 horas na van... Famintos, cansados, suados. Carregando as mochilas gigantes que nos acompanhavam, fomos procurar lugar pra dormir. A opção indicada no guia estava lotada. Como não estávamos com a menor paciência de sair andando com aquele peso às costas, resolvemos nos alojar na espelunca vizinha. Péssima idéia... Quarto pequeno, mal-iluminado, parecia que sequer haviam trocado a roupa de cama. Banheiro compartilhado.. Leo teve uma crise de alergia. Fazer o que, não íamos sair procurando mais nada àquela hora. Pelo menos era barato.

Resolvido o problema do alojamento, fomos atrás de comida. Decidimos que entraríamos no primeiro lugar que servisse qualquer coisa engolível, pois a situação já estava deplorável. Foi um McDonalds...

Com os maiores problemas resolvidos, fomos passear pela cidade.

Antigua é uma cidadezinha agradável, de 50.000 habitantes. Foi fundada em torno de 1530, e foi a capital do país até que um terremoto a destruiu em 1773. Aliás, quase tudo na cidade foi construído varias vezes. O homem construía, vinha um terremoto e destruía. O homem construía de novo, só pra outro terremoto destruir de novo. Ficaram nessa brincadeira por algum tempo.

Como toda cidade pequena do interior, a vida gira em torno da praça principal, que é intitulada "a mais bonita do país". Não conheço as outras, mas não me admira se realmente for. A praça é grandinha, com uma alta fonte no meio, cercada de edifícios históricos muito bem iluminados e preservados. Muito bacana e agradável.

Como já estava ficando tarde, resolvemos encerrar o expediente. Impressionantemente, conseguimos nos perder numa cidade tão pequena. Não uma, nem duas, mas várias vezes. Ficamos zanzando feito baratas tontas pelas ruas todas iguais da cidade. Todas de pedra, com casinhas coloridas. Íamos e voltávamos, sempre com a absoluta certeza que a espelunca que dormiríamos estava na próxima esquina.

Por fim desistimos, engolimos o orgulho, voltamos até a praça principal e seguimos o mapa, até o lugar certo. Como se não bastasse, ainda tivemos que ficar esmurrando a porta da pousada para que alguém abrisse. Depois de um tempo que pareceu eterno (na noite deserta da cidade), apareceu um guatemalteco com cara de sono, e permitiu nossa entrada.

Dormimos.

quarta-feira, 9 de agosto de 2006

Ruínas ao Groove de Saint Germain

Ainda no claustrofóbico ônibus, o calor era sufocante. Janelas hermeticamente fechadas e dezenas de pessoas respirando o mesmo ar rançoso a horas. Obviamente o sono não me abençoava (Leo) e eu me segurava entre as apertadas poltronas durante as curvas fechadas do coletivo. Em uma dessas, um baque seco, seguido de freada brusca e a sensação de um quebra-molas. Atropelamos algo como um cervo. Definitivamente desisti de dormir e parti para um Jamiroquai, numa tentativa de acalmar os ânimos. Após mais uma revista militar (a segunda na noite - um soldado entrava e interrogava os passageiros) e a saída de mais uma dúzia de pessoas (que provavelmente tinham algum problema com seus documentos), atingimos o terminal de ônibus de La Entrada às 4am, onde faríamos a baldeação para Copan. Terminal é até um excesso literário, pois parecia-se mais com posto abandonado na beira de estrada. Sozinhos, de madrugada, em uma cidade desconhecida, em um lugar deserto. Definitivamente não era uma sensação das mais agradáveis.

Adeptos da política “sentar em qualquer lugar”, nós nos jogamos no sujo chão do terminal, entre duas apertadas paredes para chamar pouca atenção de qualquer insone. Atendendo a um chamado da natureza, dirigi-me ao mictório publico mais próximo, a verso do tal terminal. Três milisegundos após aberto o zíper, surge de um cortiço na escuridão um hondurenho andando firme em minha direção, armado com um facão. Parti para estratégia pingüim de Madagascar: "cara de bonzinho, cara de bonzinho e sair de fininho". Quando a figura, portando o tal facão de 1/2 metro, nos alcançou, já estava sentado ao lado das mochilas, fazendo perguntas “a la” turista perdido. Ele ainda nos escoltou até partirmos para a van de Copan - sinistro.

Nunca imaginei que coubessem mais que 20 pessoas em uma van-besta. Cabem. Cabem uma 25 pessoas e 5 caixas de abacate de quebra. Foram as 1:30 horas mais longas e mais cheias de contato humano.

Nos hospedamos bem, muito bem. Cafe Via Via é uma pousada direcionada para mochileiros, mas perfeita nos detalhes. Informações mil, rango espetáculo e top músicas fazem os 14USD muito bem gastos.

Copan Ruinas, o motivo de nossa viagem para esta cidadezinha, vale a pena. Um ensolarado dia fez nossa visita as ruínas maias superarem todas as expectativas. Pirâmides, stelas, escadarias trabalhadas, túneis, tudo muito bem conservado e organizado neste fabuloso museu ao ar livre. Fotos, fotos, soneca, fotos e andança deixaram-nos cansados e famintos.

Após uma refeição-extorção, banho e soneca nos aguardavam.

Zzzzzz...

Zzzzzz...

Acordei e ainda havia sol e a musica bombava em nossa pousada-balada. Levantei só pra saber o som que rolava: Saint Germain - Moulin Rouge. Valeu.

Ai foi só comer e voltar a dormir. Excelente.

terça-feira, 8 de agosto de 2006

O Terminal

3o dia de viagem, 3a ida ao Aeroporto Tocumen, em Panama City. Quem já viu o filme "O Terminal" (com Tom Hanks) vai começar a entender o que estamos sentindo...Gato escaldado tem medo de água fria, então só relaxamos quando o avião finalmente decolou. Sorte nossa que dessa vez fomos juntos. Um trecho rápido até San Jose (capital da Costa Rica), 20 minutos em solo e finalmente vôo para Tegucigalpa, capital de Honduras.

Ao pegar as bagagens, a desagradável surpresa de que tinham sido abertas. Não sei por quem, mas quebraram o cadeado que eu (Gus) tinha comprado no dia anterior. Felizmente não faltava nada (ou pelo menos eu achava que não), então acho que estavam à procura de drogas. Será que a gente tem cara de traficante?

Ao contrário do Panamá, os hondurenhos parecem muito mais amistosos e hospitaleiros. Não só parecem, como são inclusive mais gentis, o que descobrimos quando fomos trocar dinheiro e pedir informação.Os ônibus (pegamos um do aeroporto à cidade) são mais organizados, e não bagunça no Panamá. São todos pintados de uma cor única (amarelo), e possuem um cobrador, apesar de não terem roleta.

Chegando à cidade, fomos logo à transportadora verificar os horários de partida para as ruínas de Copán.. Parecia uma garagem, com algumas cadeiras de plástico espalhadas. Sabe aquela sensação "será que é aqui mesmo?" Para nossa sorte, era, o ônibus saia às 11pm, e assim poderíamos viajar à noite e recuperar um dos dias perdidos no Panamá. O atendente (um moleque de camiseta, que estava na rua) sugeriu que deixássemos as malas lá até o horário de saída. E ai? Deixar as malas num lugar que parecia um fundo de quintal, com um moleque que não parecia funcionário de lugar nenhum, em em um pais novo em que não conhecíamos ninguém? ... Huuuummmm ... Será? ... Acabamos deixando, e decidimos conhecer Tegucigalpa.

Parece uma cidade do interior, mas mais movimentada e com trânsito caótico, salpicado de buzinas. Armas, muitas armas, por todos os lados. Seguranças na porta de lojas portando escopetas, soldados do exército com seus fuzis (um monte de soldados por toda a cidade). Pelo menos sabíamos que roubados não seriamos em Tegucigalpa. Mortos talvez, mas não roubados...

Fomos ao museu militar que celebrava a Guerra do Futebol, que durou apenas 4 dias em 1968. O estopim da guerra foi a agressão. de imigrantes salvadorenhos após uma partida entre el Salvador e Honduras pelas classificatórias da Copa do Mundo. Meio exagerado o museu, cheio de fotos de esquadrões posando depois da "missão cumprida". Como é possível ter tantas missões cumpridas em apenas 4 dias? Acho que essa mini-guerra foi deflagrada só pra agitar um pouco a pacata vida dos militares hondurenhos.


Em seguida, visitamos o Parque La Concordia, cheio de réplicas de monumentos maias, já pra dar um gostinho do que veríamos no dia seguinte em Copán.

Ao escurecer, o povo nas ruas desapareceu como num passe de mágica, parecia toque de recolher. Apertamos o passo para chegar à transportadora, onde esperamos por 4 horas até a partida do ônibus.

Perto do horário de embarcar, começou uma bagunça, todos correram para o ônibus, para garantir um bom assento (não existem lugares marcados). Os últimos a entrar viajaram no corredor, em banquetas de plástico... Durante a noite inteira!

Logo antes de sairmos, um pastor (que devia trabalhar na empresa de ônibus) iniciou uma pregação, bem nos estilo Igreja Evangélica. Estávamos nos primeiros bancos, e ele a uns 30 cm de nós. Falou por bem meia-hora. Aos gritos! Enérgico! 1.000.000 de dB de volume de voz! Pedindo aplausos para quem concordava com passagens especificas. O ônibus inteiro aplaudia (inclusive nós). Um bom orador, sem dúvida... Depois de devidamente avisados sobre o poder de Jesus e sem 10% da audição, partimos.

segunda-feira, 7 de agosto de 2006

Stand-by Again

O bipe incessante do despertador não me acordou, pois o calor e a umidade já o haviam feito (Leo). No pais-sauna, dormir no chão parece a alternativa mais viável para sobrevivência. Mas dado o luxo de nosso apto, Gus foi o único a topar dividir o chão com as baratas.

Despertos, ousamos bancar um táxi-roubo para o aeroporto, na esperança de convertermos nossos assentos ainda Stand-by em algo mais material. Já íntimos das atendentes da famigerada Copa Airlines, lamuriamos nossa situação para Kátia, a mais simpática delas. Instantes após, tínhamos assentos certos e iniciamos os planos para nosso destino.

Adentrando na nave, nossos assentos ocupados indicavam o início de problemas. Aplicando o golpe Armless-John, já nos acomodamos confortavelmente na classe Elite Ejecutiva e escolhíamos nosso prato de almoço. A hora de partida se aproximava, mas nossos sorrisos esvaíram-se quando uma horda de panamenhos atrasados entrou na nave. Conduzidos de volta ao terminal, ainda discutíamos a injustiça quando o avião decolou.


Resignados, seguimos pras acomodações designadas. Confesso que as 5* do hotel cassino El Panamá estavam aquém dos nossos padrões, mas aceitamos a oferta mesmo assim. Pelo menos nossos nababescos aposentos, equipados com água quente e ar-condicionado-freezer, davam uma excelente vista da piscina.

Munidos da lábia que só um local tem, enfrentamos dois coletivos e uma tempestade tropical até Causeways. Causeways é o calçadão local, que conecta três ilhas a parte continental de Panama City. A primeira parada foi o surpreendente museu Smithsonean da vida aquática. Recheado de informações sobre a fauna e flora caribenha, o museu possui uma série de exposições sobre peixes locais e aquários a céu-aberto e fechado, com tubarões catfish e tartarugas. Uma visão fantástica da ponte das Américas do mirante do museu completa suas atrações.

Na busca de mais um museu, partimos para o inicio do calçadão, a uns 5km de onde estávamos. Visando não somente atingir o suposto museu miragem, mas também nos prepararmos para a subida do vulcão, alternamos sprints e caminhadas durante o trajeto. Quando chegamos ao destino, decepção: chegamos cedo demais. O museu de la Biodiversidad marinha só será aberto no fim do ano. Mas ao menos conseguimos descobrir o Ibirapuera local: crianças jogavam bolas às dezenas, enquanto jovens cortavam nosso caminho em suas bicicletas e famílias tomavam "raspadinha" (gelo com corante).

Furiosos por natureza, usamos nossos meios de transporte favoritos - pé e bumba - para irmos ao Casco Antigo. Surpreendentemente, a visita mudou nossa perspectiva: Panamá não é somente mais uma capital subdesenvolvida e pobre, é um país com um rico passado destruído por guerras de poder. Casco Antigo é uma série de sobrados coloniais que cercam as estreitas ruas de paralelepípedos. Moradores apertam-se e debruçam sobre as extensas varandas e fazem nós, turistas, nos sentirmos como a verdadeira atração do lugar. Pinturas descascadas, janelas quebradas e ferragens enferrujadas dão um ar decadente ao bairro. Alguns momentos após nos aventurarmos pelas ruelas, Gus já exercitava seu lado madre Teresa de Calcutá pagando uma onerosa lata de leite de US$4,90 para um velho aidético e uma jovem panamenha mandava um caloroso 'Buenos Dias' para este quase-nativo. Penetrando mais no bairro, através de um túnel de relva, encontramos a fabulosa Plaza Francia, onde bustos e placas exaltam a participação dos franceses na construção do canal.

Cansados de cultura, voltamos para o hotel através de muito suporte local - precisamos de 5 pedidos de informação para acertarmos. Vergonhosamente, 4 vieram da mesma pessoa. Uma chica que passeava com seu cão nos corrigiu várias vezes até nosso lar.

Um bom jantar e uma volta no cassino fecharam o terceiro dia.

domingo, 6 de agosto de 2006

Presos no Panamá

Ontem, quando resolvemos o problema do cartão de credito, perdemos nossas reservas de vôo, ficando em Stand-By para o trecho Panama City - Tegucigalpa. O glamour foi que o Stand-By durou um dia inteiro!


Agasalhando ficar no Panama, descobrimos que o aeroporto fica bastante longe da cidade. No mesmo instante, fomos atacados por uma horda de taxistas leiloeiros. Como num autêntico leilão, parecia que competiam para dar os maiores preços. E tudo em dólares! (a moeda local, o Balboa, possui equivalência cambial com o dólar americano, e ambas coexistem no cotidiano panamenho)
Cansados do assédio e das tentativas de operação pelos malfeitores, decidimos partir em uma aventura por coletivos.


E que aventura... No Panamá, os motoristas possuem os próprios ônibus, e os personalizam de acordo com seu gosto individual. E alguns têm gostos um tanto particulares, podemos dizer... Os ônibus parecem saídos de uma parada circense, com cores berrantes e direito a néons. Encontramos grafites do He-Man, Hulk, caveiras, dragões e toda a sorte de motivos religiosos.



Na primeira tentativa de embarque, acabamos salvos por um velho panamenho, que, aos berros, indicou-nos estarmos indo no sentido errado. Logo em seguida, identificamos o ponto correto e embarcamos em um espalhafatoso veiculo multicor. 15 minutos dentro do ônibus, e já bendizemos a sorte de não termos alugado um carro (como chegamos a cogitar). O transito é caótico!!! Regras básicas, tais como aguardar antes de cruzar uma auto-estrada, não são respeitadas. E foi justamente. Isto que causou nosso primeiro acidente rodoviário em terras centro-americanas. Seguindo a leva de panamenhos que se apertavam conosco nos velhos bancos de couro, saímos do ônibus sem pagar e reclamando da má-sorte. Nosso próximo transporte, conduzido por um mais habilidoso motorista nos levou para nosso destino intermediário: Plaza 5 de Mayo.


Não comíamos decentemente desde o jantar do vôo e nossos estômagos nos lembraram disso. Tivemos então nossa primeira refeição local: um hot-dog do Pio-Pio, praticamente o McDonalds panamenho. Satisfeitos, seguimos de táxi para o notório canal do Panamá, em Miraflores Locks. Nosso simpático taxista deu-nos uma amostra do anti-amor nacional aos gringos, durante um rápido tour pelas antigas instalações militares americanas, hoje convertidas em faculdades. Uma curiosidade é que o próprio termo "gringo" foi cunhado como forma de protesto. Uma corruptela da expressáo "Go green go", cantada em coro pela população e que se referia à cor verde dos uniformes americanos, pedindo sua saída do país.O canal é adorado pelos Panamenhos (motivo de orgulho nacional e responsável por 10% da economia do país), e adornado por museus, cafés e restaurantes. Interessantes, de alto padrão e lotados de turistas. Presenciamos a operação do mesmo, com uma eclusa descendo um colossal navio chinês por 36 pés e manobrando-o em direção ao oceano. Foi interessante, mas tudo parece grandioso demais, inflado por certo orgulho patriótico e um sentimento revanchista contra os gringos.


Voltamos do canal de ônibus (já estávamos ficando craques em conhecer as linhas locais) e iniciamos nossa busca por um hotel seguindo o guia, que indicava a existência de opções baratas. Andamos. E andamos. E andamos. Erramos o caminho, indo parar em uma zona semelhante à 25 de Março de SP. Tudo muito barato. Produtos estilo feirinha do Paraguai. Andamos de novo, desta vez na direção certa. Chegamos finalmente à zona indicada pelo guia, com opções baratas e seguras (uma de nossas maiores preocupações depois de ver a miséria do povo - 37% vivem abaixo da linha de pobreza).


A recepcionista da pousada nos atendeu dentro de uma jaula (zoológico humano?). Pegamos um quarto muito barato (US$10/noite) já que os com ar-condicionado estavam todos ocupados. Quarto simples e pequeno que tivemos que dividir com um panamenho. Logo entramos em atrito com nosso companheiro, culminando em um golpe seco que matou a barata invasora.Durante a noite, acabamos por rebatizar Panamá para País-Sauna. O calor e a umidade eram insuportáveis. O monótono girar do ventilador não ajudava muito, pois trazia somente o vento quente. Acabei (Gus) por capitular e dormir no chão (que pelo menos era mais frio), ao lado da barata moribunda.


Fim do segundo dia de viagem.

sábado, 5 de agosto de 2006

E foi dada a largada!


Pra quem não nos conhece, o da esquerda é o Leo, e o da direita sou eu, Gus.


Tivemos um bom comeco de viagem... Após sobrevivermos à nevoa na estrada para Guarulhos, chegamos ao aeroporto 1:00am. Espertamente, descobrimos, ao entrar na fila de checkin, que o cartão de credito (essencial ao nosso embarque), estava de férias em Assis. Terror e medo assolaram nossos aventureiros desbravadores ante a possibilidade de permanência no Brasil. Engolindo a seco o desespero, e munidos de um sorrisinho cara-de-pau, conquistamos a atendente e um lugar para embarcar...

Classe Elite Ejecutiva da Copa Airlines tem suas peculiaridades. No meu caso (Gus) tive o privilegio de compartilhar meu assento com um gordo que não cabia no seu próprio. Digamos que a viagem foi repleta de calor humano.

Apos a mordida no sanduíche servido a bordo, as pálpebras se fecham e o primeiro dia da viagem termina...