segunda-feira, 14 de agosto de 2006

Congelando no topo do vulcão

Os raios não cessaram durante a noite e por volta da 1h foram acompanhados por uma breve e forte chuva, que castigava nossa tenda.

Insone como sempre, acompanhei os bizarros efeitos sonoros dos habitantes da tenda. Flatulências, roncos, engasgos eram a trilha sonora. O jantar ou a altitude deveriam explicar. Não poderia ser normal! Espero ganhar algum dinheiro com a fita que mandei pro Discovery Channel.

O sutil odor dessa meia dúzia de corpos suados e sujos poderia ser outro documentário. Quem diria que a holandesa magrinha, branquinha e pequena iria carregar um gato morto embaixo dos braços? Parecia um metrô parisiense no dia do INSS, com uma névoa negra outrora chamada de gás Sarim pelas autoridades.

O toque de despertar foi às 5am. Já era hora da tortura da tenda acabar e meus pulmões receberem uma lufada de ar desintoxicado.

De jejum, a escrete colocava suas mais quentes roupas e esboçava um sorriso antes da derradeira subida. Sorriso breve. Acho que nem uma Polaroid o capturaria. Estávamos cegos como morcegos enquanto marchávamos pelos pedregulhos rochosos misturados com areia fina. O próprio passo moonwalker: passos que nos levavam para trás.

Alguma altitude acima, uma densa névoa surgiu. A umidade era tanta que tornava todo tecido permeável instantaneamente encharcado. Ótima notícia pra quem está sem luvas, com gorro de lã! Imaginei ter avistado o Papai Noel. Estava eu delirando pela fome e pelo cansaço? Já me preparava pra pedir um par de pernas novas pro bom velhinho quando percebi que enganei-me. Era somente o Gus, com sombrancelhas e ralo cabelo embranquiçados pelo gelo.

Frustado da fantasia, subíamos. Desta vez procurando gnomos.

E subíamos...

Paramos em uma encosta, metros acima da cratera vulcânica, para tentar tomar o fôlego, que fugia como bagre ensaboado. Aguardávamos o céu abrir para atingirmos o cume. Aguardávamos e congelávamos. Já não sentia minhas mãos. Uma dor dilacerante partia das orelhas desprotegidas. Passei a acreditar em calor humano - amontoarmo-nos foi a saída menos penosa enquanto aguardávamos o bom tempo. Entre o mau cheiro e o frio, o gato morto era o melhorzinho.

Aguardamos, aguardamos, aguardamos... Finalmente, desistimos. A névoa se recusava a deixar-nos. Era um fenômeno bem raro, observado em menos que 20% das subidas. Sorte de principiante... Aquela foto fantástica do sol nascendo e nós a 4km do solo, cercado por crateras vulcânicas brancas de gelo já era. Vai ter que ser Photoshop mesmo. Bom que pelo menos dá aproveitar e colocar cara de cansada nas implacáveis holandesas.

O vento praticamente nos carregava na derradeira subida. Pelo menos soprava na direçáo correta. Só percebemos que atingimos o cume por uma cruz prostrada na mais alta rocha do vulcão. Era hora de rezar mesmo. Rezar pro pesadelo terminar!

Tirando o insuportável vento frio que impedia-nos de tirar fotos, estávamos felizes. Felizes por termos feito. Felizes porque agora era só descida! Como diz o ditado, na descida todo santo ajuda...

A descida parecia fácil. Rocha vulcânica se assemelha à areia grossa de praia. Foi como sandboard, só que sem prancha. Saltos curtos, deslizando rapidamente pela íngreme encosta, girando o corpo para direcionar.

Descíamos rápido, muito rápido. Adrenalina aquecia o corpo e o vento já não incomodava tanto. Diversão pura, que nos ajudava a esquecer que praticamente não tínhamos mais pernas. E saltar, além de divertido, poupava o esforço de ir segurando o peso do copo a cada passo... A diversão só durou até uma rasteira traiçoeira de uma rocha em um deslize. Não bastava todas as dificuldades da subida, agora a natureza conspirava contra também na descida? Capote... Daqueles dignos de dublê em filme do Jackie Chan... Mas como nosso parco orçamento não dava pra dublê, o ator principal foi quem acabou rolando dramaticamente... Dor! Dor! Dor!

Nossa velha amiga estava de volta, mais forte do que nunca. O saltitante montanhista estava com o pé acabado. E ainda no topo da montanha. E ainda com.a mochila-mundo. E ainda com aquele guia maníaco. Hora de desistir... Será que dá pra viver no alto da montanha pra sempre?

Com os cajados-muleta, a descida foi prosseguindo, penosa. Doendo muito, mas descendo. Analgésicos tomados, o pé esquerdo era mais suportável. Porém, o direito, são, sofria as conseqüências da carga dupla: bolhas nasciam, cresciam e se multiplicavam... Na própria descida, eram estouradas. Um daqueles momentos que não se pensa no futuro. Resolver o presente já é preocupação suficiente.

Retornando do vulcão na van, uma cerveja foi o champagne do dia. Só faltava a música do Senna. No subseqüente almoço, a canadense que havia subido conosco já desmaiava. Estávamos exaustos...

...exaustos mas ainda loucos furiosos. A despeito da dor generalizada, embarcamos para Panajachel, a principal cidade na beira do lago Atitlán, um dos mais belos do mundo. Gus, pra complicar um pouco nossa logística, esqueceu parte de sua bagagem na agência de viagem local. Retornaremos à Antigua, um dia.

Como sempre abençoados pela sorte, conseguimos um ótimo quarto em Panajachel. Ótimo quarto de terceiro andar!!!. Dois lances de escada!!! Como doía subir escadas. Pelo menos o sono dos justos veio fácil...

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